quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

A falta


Sempre que escrevo algo dito “literário”, deixo faltando algo: ausência de personagens, carência de detalhes dos personagens, pobrezas de objetos, de formas, de motivos, de finalidades, de competências, de emoções e por aí vai. Não que essa ausência de “algo” seja apenas deslize, mas também proposital por vários motivos.

Ninguém e nada que conhecemos é completo, pois se assim fosse, não precisaria existir ou manifestar existência. Seria tolice, diante tantos seres e coisas do universo que são incompletos, se esta entidade completa se manifestar, pois seria cobiçada pela própria natureza de buscar o equilíbrio e completude, abusando-se de algo que já está integro e não sendo mais.

O ser humano tem inúmeras carências também, e para supri-las busca quem ou o que tem excessos, seja um rio para saciar a sede, uma pessoa de bem com a vida para amar e magoar, drogas para curar algo, a religião para a falta de vontades orientadas, a sociedade para suprir e sugar. As faltas não são tão ruins, provocam trocas, movimentos e trazem riquezas de todos os tipos de valores materiais e imateriais, apesar de eventualmente ameaçar a existência. A oscilação de baixa e alta faz tudo funcionar, desde um motor até um coração. Questões como ser ou não ser, ter ou não ter movem as pessoas, as sociedades e as coisas também.

Acredito que a dualidade contraditória entre excessos e faltas é essencial para atingir a completude, assim como átomos compartilham-se para tornarem moléculas ou elementos constituem-se para formarem conjuntos. Não fique triste se te falta algo, mas privilegiado por estar vivo para compartilhar e simular completude, ou, como eu, na falta de leitores, escrevo o que me falta e meus excessos com menos pudores. É na falta que as pessoas valorizam. E você, o que lhe falta?

Um comentário:

  1. Essa é uma divagação sobre os seres tais como eles (nós) são (somos): incompletos. Seria a busca eterna por nossos pedaços, apesar de se manifestar incômoda, nossa maior virtude? É como se a própria consciência da incompletude já fosse um indicativo para que esta fosse mais compreensível e mais acabada. Percebo a necessidade da transcendência, a busca pelo divino e pelo metafísico, como a maior prova da nossa ansiedade de “preencher o vazio”. E sempre foi assim na história da humanidade. É preciso achar algo externo, perfeito, superior, infinito; uma vez que nossa existência nos revela temporais, carentes, inconstantes e conscientes de nossas limitações. O que me falta? TUDO, sempre. Sou humana. P.S.: adorei seu texto ;)

    Patricia Gatto

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