segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Conto: Qualquer semelhança ficcional é mera coincidência

Lá estava a funcionária pública: parada pela burocracia, inerte pelo poder hierárquico, apática pelas causas ditas sociais. Ela tinha mais inimigos que amigos na repartição, típico de mulher divorciada de meia idade e de outro estado naqueles escritórios burocráticos.

Vivendo numa bucólica cidade, amando os gatos do antigo apartamento recém adquirido ‘perto’ da autarquia, ia todos os dias ao trabalho de carro importado, sob longas prestações. Para estacionar, assim como os demais colegas de trabalho, ela recebia auxílio de uns flanelinhas traficantes subempregados para estacionar nos floridos canteiros e calçadas da cidade bucólica, afinal faltavam estacionamentos, pouco importando os cadeirantes ou pedestres que por alí passabam.

Ela dizia que todas as mazelas da cidade, falta de estacionamentos, falta de segurança, bueiros entupidos de panfletos de grevistas e tudo que era de ruim daquela cidade eram culpas do governo. Ela tinha esquecido que também era parte infinitesimal do governo enquanto funcionária pública.

Endividada pelas inúmeras prestações apesar do elevado salário, ela vivia frustrada, bebendo, sob inúmeros atestados médicos. Isso a motivava a desrespeitar mais as leis e ajudar no sindicato por greves de aumentos de salários, pois a vida perdia motivo nos anos que se passavam, por isso viajou mês passado.

Voltando das férias agora em janeiro depois dos reencontros com a família no longínquo estado de origem, estava ontem dirigindo sob fortes chuvas de verão pra retornar ao trabalho, já mais recuperada e motivada. De tão motivada, o carro não freou e bateu na traseira do ônibus.

Jaz carro importado. Jazem dívidas. Jaz funcionária pública. Mais um concurseiro feliz para ocupar a vaga dela e continuar a mesma história, sob hipocrisia e insensibilidade de todos.

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